foto de John Vink
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do
chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar
um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma
cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança,
achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz. Houve
um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um
barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem
as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na
sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam
sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha
alma ficava completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma
vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa
esteira, passava quase todo dia sentada uma mulher, cercada de crianças.
E contava histórias. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e mesmo
que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma
difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes
faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do
auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia
completamente feliz....
Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que
parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase
seco. Era uma época de estiagem, e o jardim parecia morto. Mas todas as
manhãs vinha um pobre homem com um balde, e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava
para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus
dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes, abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão à escola. Pardais que
pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do
ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Veja. Às
vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros, que só
existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso
aprender a olhar, para poder vê-las assim.
Cecília Meireles
Texto tirado do blogue abaixo